segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Realismo e Arte Marginal


Gustave Courbet, A Origem do Mundo 1867

O artista marginal é aquele que não deve mais nada nem ao mundo, nem a ninguém – a não ser a si próprio. Ele está acima dos outros homens. Ao mesmo tempo independente e consciente da elevação de sua tarefa artística, é obrigado, para manter-se à altura de si mesmo, a estabelecer os seus próprios valores. Isto é, ele é obrigado a construir uma ética para si”. (Gustave Courbet 1819 - 1877)

Podemos concluir que foi com Gustave Courbet que nasceu talvez o que chamamos de “Arte pela Arte”, na medida de uma arte não panfletária, uma arte livre de influências externas ao artista. Se Courbet era conhecido, ou se o próprio se denominava de artista marginal, tal adjetivo indica apenas que o mesmo circulava a margem de valores que até então os artistas eram obrigados a vincular em suas obras, por questões de reconhecimento ou simplesmente por exigência do mercado de arte. Sua arte foi chamada de Realismo e por mais que saibamos que o realismo é uma linguagem e não um estilo, naquele momento essa denominação dizia muito sobre a militância do senhor Courbet a favor da liberdade de criação, onde o valor de uma obra não será mais uma questão de interesse de Estado nem de patrocinador, porém algo muito mais particular ao artista e ao seu próprio juízo.
Há um texto de Jorge Coli intitulado "Bom dia senhor Courbet" que faz lembrar Hélio Oiticica, artista brasileiro da década de 60, com certeza um dos primeiros representantes da arte contemporânea mundial no sentido da interatividade entre obra e público (parangolés e penetráveis). Em sua famosa homenagem ao bandido Cara de Cavalo (bólide 18), morto com mais de 200 tiros em um cerco da polícia no Rio de Janeiro, com o qual o artista desenvolveu uma amizade verdadeira, juntamente com uma extensa pesquisa artística no morro da Mangueira, havia os dizeres: “SEJA MARGINAL SEJA HERÓI”. Oiticica também foi expulso do MAM junto com passistas e com a bateria da escola em 1965 quando tentou, como haviam feito os modernistas na semana de 1922, integrar arte popular e arte erudita. São palavras do próprio Oiticica; “Quando digo “posição à margem” quero algo semelhante a esse conceito de Marcuse: não se trata da gratuidade marginal ou de querer ser marginal à força, mas sim colocar no sentido social bem claro a posição do criador, que não só denuncia uma sociedade alienada de si mesma mas propõe, por uma posição permanentemente crítica, a desmistificação dos mitos da classe dominante, das forças da repressão” (Hélio Oiticica – 1968).
Voltemos já para Gustave Courbet, esse senhor que dizia que todo artista devia ser seu próprio mestre, “deixando a cada um, a inteira direção de sua individualidade, a plena liberdade de sua expressão própria” (COLI, Jorge. Bom dia senhor Courbet. NOVAES, Adauto (org) ÉTICA. São Paulo: Companhia das letras,1992, p.291). Gustave Courbet não se curvou à tradição academicista, vetou modelos e fórmulas, recusou temas recorrentes. Nosso senhor Courbet não quis artesãos em seu ateliê, quis artistas. Essa concepção didática lembra o Construtivismo, corrente teórica surgida décadas depois e que pretendia auxiliar na organização das informações possibilitando a construção do conhecimento pelo próprio aprendiz.
Se havia nas obras desse senhor obrigatoriamente uma conotação social é arriscado afirmar, porém é possível, pois os trabalhos de Marx, Engels e as doutrinas socialistas já circulavam pela Europa, as grandes indústrias e os novos centros urbanos são testemunhas dessa mudança em relação ao trabalho. Entretanto, é certo que Courbet desafiou convenções, isso é tão claro quanto a luz do dia em manhã sem nuvens. Prova disso foi a recusa da pintura que ilustra este texto no Salão Oficial de Belas Artes e no Salão dos Recusados, ambos os vetos por motivos “morais”. 
A carta enviada a Maurice Richard, ministro das Belas-Artes de Paris em 1870, na qual Courbet abre mão do título oferecido a ele de Cavaleiro da Legião de Honra é uma od a liberdade e rebeldia nutrida por esse artista. Courbet nos faz pensar no guerreiro do Japão feudal que era conhecido pelo nome de “ronin”, um samurai sem mestre, que não servia a ninguém e a nada além de seu próprio código de honra e conduta. 

Referências:
Imagem; Courbet, A Origem do Mundo 1867.
COLI, Jorge. Bom dia senhor Courbet. NOVAES, Adauto (org) ÉTICA. São Paulo: Companhia das letras,1992.
COLI, Jorge. A Pintura e o Olhar sobre si: Victor Meirelles e a Invenção de uma História Visual no século XIX Brasileiro in Freitas, Marcos C. (org.) Historiografia Brasileira em Perspectiva – Ed. Contexto- SP. 1998.
Dicionário eletrônico Houaiss.
Internet: guerrilhacarioca.blogspot.com/2007/01