domingo, 6 de maio de 2012

JUST DO IT!


  JUST DO IT! 
Na mitologia grega, Nike ou Nice era a personificação da vitória, uma dama alada almejada por todos, de heróis a atletas. Na Antiguidade Clássica (séc. V aC.), Nike foi representada na mão direita de Atena, mostrando a divindade predileta dos gregos, deusa da sabedoria, da guerra justa e da estratégia, como portadora de todos os êxitos. A vitória na iconografia[1], suas transformações e permanências é o tema perseguido neste texto.
São Miguel, Juan de Espinal, 1780 
Os romanos chamaram Nike de Victória e a relacionaram a asas, por isso a águia como símbolo romano. Na crença popular medieval, Victória deu lugar aos anjos, seres alados portadores da revelação e da divina providência; em uma sociedade teocêntrica, onde a fé substituía a racionalidade como explicação para fatos e fenômenos, os anjos fizeram, e ainda fazem, o papel de guardiões e depositários da vitória sobre a maldade.
Hoje a divindade alada é o logotipo de uma das maiores marcas de esporte no mundo (Nike. Mar reg. EUA, 1972), o nome da marca e sua logo fazem referência à estátua  Vitória de Samotrácia[2], confeccionada entre 220 e 190 aC. na cidade de Rodes. É um mero traço esboçando a curva entre a asa esquerda, o tronco e a perna esquerda dessa estátua helênica[3].
O catálogo de obras do Museu do louvre descreve assim a obra que inspirou o logotipo: “Colocada na proa de uma galera, comemorava sem dúvida uma vitória naval [...] Sob o sopro do vento [...] as vestes molhadas colam-se ao corpo revelando as formas. A força, o ímpeto e o fôlego de vida que animam essa vitória fazem com que ela seja uma obra-prima da escultura.”
Horizontal e curvilíneo, pois originalmente pensado para compor tênis de corridas[4], esse símbolo simples e limpo foi concebido em 1971 por Carolyn Davidson[5], então uma designer iniciante a quem foi pago, na época, a quantia módica de 35 dólares. Tal símbolo parece ter o poder de fazer quem o veste apto a vencer uma competição esportiva. Nesse sentido, o marketing esportivo deve levar crédito. 
Porém, há também iconografia, a carga milenar de ideias que o símbolo carrega. Segundo essa premissa antropológica, acharemos uma vitória atraente seja ela entalhada, desenhada ou bordada. Ímpeto materializado!  


[1] Iconografia: s.f. Estudo dos assuntos representados nas obras de arte, de suas fontes e de seu significado.
[2] Há uma réplica em BH, no Parque Municipal, Centro.
[3] Helenismo: período da história da Grécia compreendido entre a morte de Alexandre o Grande,  323 aC     e a anexação da península grega por Roma em 146 aC. Caracterizou-se pela difusão da cultura grega nas áreas conquistadas por Alexandre e as  influências dessas culturas conquistadas por na arte grega.
[4] O swoosh foi criado a pedido do corredor Phil Knight e de seu treinador, Bill Bowerman, que pretendiam criar uma marca de tênis esportivo
[5] Carolyn Davidsonrecebeu 35 dólares na época. Hoje a Nike tem uma receita anual de 18 bilhões de dólares.  Em 1983, a designer recebeu um anel de diamante com o swoosh e ações da empresa.


quarta-feira, 2 de maio de 2012

Ícone de ferro e fumaça.










Art by Vinicius de Moraes                                                                                                                            

Ícone de ferro e fumaça

  A imagem de uma locomotiva traz consigo uma infinidade de lembranças: um passeio de trem, o som pesado de suas rodas de ferro e seu apito, em ponto, todos os dias, o Blues inspirado na cadência dessa máquina formidável; fato é que ninguém fica indiferente à passagem de uma locomotiva. Não é possível desviá-la, não é possível laçá-la. 
  A locomotiva foi tema do cinema desde a primeira sessão, em 1895, feita pelos irmãos Lumiére, os inventores do “cinematógrafo”. Entre os filmes havia um chamado “A chegada de um trem na estação”[1], dizem que alguns espectadores fugiram ao ver o trem se aproximar. A locomotiva tornou possível o transporte eficiente de pessoas e mercadorias, foi símbolo do progresso e do colonialismo na África e na Ásia, assim como romantizada e utilizada como tema na arte moderna européia, na América e talvez por onde tenha passado significou liberdade e ilusão; quando tudo estava mal pegava-se o trem pra outro lugar.
  Advento do século XIX, símbolo da Revolução Industrial, a locomotiva foi negligenciada no Brasil, que priorizou as rodovias em uma política desenvolvimentista irresponsável. E pensar que o Barão de Mauá chamava a atenção para os trens ainda no reinado de Dom Pedro II, quando este era jovem. Em Minas, virou expressão idiomática: “trem de doido”, em referência aos trens com pacientes que eram encaminhados para o hospício de Barbacena[2]. Sei até de um time de futebol americano[3] que tem locomotiva no nome.


[2] Foi construído numa fazenda que havia pertencido a Joaquim Silvério dos Reis, o traidor da Inconfidência Mineira, que recebera a propriedade com prêmio para o “serviço prestado”. Hoje em dia abriga a maternidade de Barbacena. http://www.fhemig.mg.gov.br/pt/banco-de-noticias/235-complexo-de-saude-mental/1718-o-trem-dos-loucos--moacyr-scliar 





quarta-feira, 25 de abril de 2012

Sobre patas e rodas; das cavernas às garagens.


                      
                     Sobre patas e rodas; das cavernas às garagens.

Desde a fase animista[1] da humanidade, há exemplo do boi e do cavalo, então transformados em objetos de adoração fetichista[2] e desenhados nas paredes, esses animais têm sido possuidores de imensa carga ideológica. Tanto que, nos 40 mil anos de arte, a humanidade tem reinventado os conceitos e as formas de representá-los. De tal forma a transformá-los em ícones.
                                  Cavalo, gruta de Lascaux, França,  15.000 aC.  /  Bisão, gruta de Altamira, Espanha, entre 15.000 e  10.000 aC.

Na antiguidade, o boi e o cavalo alçaram o status de divindades. Quanto ao boi, esse era adorado pela sociedade minóica. Os babilônios o projetaram no céu como um signo do zodíaco. O povo egípcio venerou duas divindades zoomórficas bovinas. Os assírios viam no touro força, divindade e autoridade. Os gregos o relacionaram a Zeus. 
 O boi não foi deixado de fora nem da história bíblica, neste caso de forma pejorativa, quando os hebreus foram acusados de idolatria por Moisés.
 O cavalo passou pelo mesmo afã de importância que o touro. Foi pintado nas cavernas pelos homens primitivos, domesticado e transformado pelos antigos em instrumento de trabalho e guerra. Os gregos fizeram dele um dos símbolos do deus Apolo, tendo sido ele, o cavalo, o engodo mais famoso da mitologia, o “presente de grego” para a tomada de Tróia. 
 Ainda pelos gregos ganhou asas e nomeou a constelação de Pegasus, era também símbolo da deusa Epona, uma divindade Celta cultuada em Roma.  
 Em nosso tempo, boi e cavalo se tornaram símbolos de uma infinidade de marcas, incluindo as duas marcas automobilísticas mais desejadas do mundo. O marketing fez com que esses dois animais roncassem em muitas cilindradas através de motores Lamborghini e Ferrari. Os carros citados comprovam o poder que os seus símbolos projetam. Seus designers e tecnologia fazem deles mais que apenas conjuntos mecânicos, colocando-os no rol das obras de arte e da ciência de ponta. Lamborghini e Ferrari protagonizam uma das disputas empresariais mais interessantes da história contemporânea. 
Conta-se que Ferruccio Lamborghini, rico fazendeiro e fabricante de tratores italiano, descendente de uma família tradicional de toureiros e comprador assíduo de carros Ferrari, certa vez encontrou-se com Enzo Ferrari  durante a revisão de um dos carros de sua coleção. Ao sugerir a Enzo algumas modificações no sistema de embreagem das ferraris, Ferruccio Lamborghini teria sido tratado com descrédito por Enzo, o qual teria lhe dito que um fazendeiro, fabricante de tratores, não tinha nada que discutir sobre carros de alto desempenho. Ferruccio, bem ao estilo dos italianos brigões, respondeu a Enzo Ferrari que faria um carro melhor que os dele. Desde então, 1963, ano do lançamento do primeiro carro Lamborghini, todos os modelos levaram nomes de touros.
 Cavalo e touro italianos continuam brigando pela preferência de seus fiéis. Seus símbolos ainda são, como no início da humanidade, marcas de  fortuna, potência, desejo e sucesso. Não há como desconsiderar a força icônica que ambos sustentam. 
   
[1] Animismo: s.m. Religião primitiva que atribui uma alma a todos os fenômenos naturais e que procura torná-los propícios por meio de práticas mágicas.
[2] Fetichismo: s.m. Culto dos fetiches, ou feitiços; veneração exagerada, supersticiosa, de objetos inanimados que se crê estarem ligados aos espíritos e que, por isso, passam a representá-los simbolicamente.



terça-feira, 17 de abril de 2012

Fotografia e pintura moderna


Fotografia e pintura moderna
 Daguérre e o daguerreótipo-1839

   Em 1835 um pintor, cenógrafo, físico e inventor francês chamado Louis Daguerre criou o daguerreótipo, ou a primeira máquina fotográfica. Essa invenção foi aperfeiçoada por vários homens, descobertas científicas e contextos de vanguarda que viriam a modificar a forma como se produzia e interpretava imagens.
   A fotografia era um tipo de retrato mais fiel e rápido, a qual fez com que os antigos retratistas, os pintores, tivessem motivo para desenvolver novas formas de expressão, pois a simples cópia da realidade podia já ser feita por um equipamento mecânico. Em 1861, em uma aula sobre a teoria da cor na Universidade King's College de Londres, o físico escocês James Clerk Maxwell (1831–1879) apresentou a primeira fotografia colorida da História. Os pintores tinham que reagir imediatamente.
 Primeira fotografia colorida feita por Maxwel (1861)
   As tintas industriais, o cotidiano urbano e os avanços na ciência ótica, além da quantidade crescente de pessoas que compravam arte e liberavam os autores do mecenato estatal (governo e Igreja), permitiam que os artistas pintassem fora de seus ateliês e observassem, de forma empírica, como a luminosidade interferia nas cores. Partindo daí houve infindáveis experiências pictóricas e conceituais, a Arte mudaria drasticamente.
   Um artista chamado  Gustave Courbet  (1819-1877), pintor realista e socialista francês, substituiu o romantismo academicista e lírico por uma representação fruto de observação direta. Sua obra mais representativa deve ser o quadro A Origem do Mundo (1866), obra rejeitada e pouco compreendida em seu tempo, um grito à liberdade e ao conceitualismo na Arte. Talvez a pintura não retrate a origem do mundo propriamente dita, porém, todos os que compõem o mundo tiveram origem em “local” semelhante.
 A Origem do Mundo (1866), Gustave Courbet, Museu de Orsey, Paris. 
   Claude Monet (1840-1926), pintor impressionista francês, registrou a experiência luminosa utilizando como tema a catedral de Rouen, em horas e estações do ano diferentes, provando que a cor diz respeito à reflexão dos raios luminosos e não ao pigmento efetivo contido na substância vista.
Catedral de Rouen, França, por Monet
   Os cubistas e construtivistas, por exemplo, pretenderam transformar a pintura em um objeto tridimensional. Esses artistas esperavam criar desenhos a partir de figuras geométricas, de forma que o observador pudesse construí-los com seu próprio olhar, observá-los e descobrir novos ângulos como se a obra fosse uma escultura.
     Menina com bandolim (1910), Pablo Picasso
   No entanto, a proposta estética mais radical do Modernismo coube à pintura abstrata, onde os artistas negavam completamente a figuração argumentando que a obra surgia de sua própria subjetividade, sem que eles precisassem ter como tema algo que estivesse exterior a eles mesmos. Radical? Com certeza. Bonito? Nem sempre, mas o conceito é ótimo. 
Jackson Pollock  , Action Painting (1949), nº 8.












domingo, 25 de março de 2012

Bernini e o Barroco


Bernini e o Barroco
Êxtase de Santa Teresa (1645-1652), Gian Lorenzo Bernini,
Igreja de Santa Maria della Vittoria, Roma. (à direita um detalhe da obra)


   
   A arte barroca é exageradamente dramática, toda a técnica das luzes, sombras e torções, tem foco na exaltação dos sentimentos para motivar a fé. O Barroco europeu esteve inserido em uma sociedade dividida; havia de um lado as igrejas protestantes, condenando as imagens religiosas e de outro, o Catolicismo, que tentava reafirmar sua tradição. Há de considerar que os cultos protestantes não eram executados em Latim, mas na língua pátria do fiel, assim como a bíblia, também traduzida para seu idioma. O cisma protestante com respeito às imagens nos cultos motivou o interesse dos fiéis dessas novas igrejas do pela alfabetização.
   Neste contexto, as imagens católicas assumiram uma atitude de êxtase espiritual. O Barroco do séc. XVII imprimiu empatia[1] nas imagens, já carregadas de mensagens desde a Idade Média e acrescentadas de classicismo[2],durante a Renascença. No Barroco dos países católicos, além de aprendidas e contempladas, as imagens sacras também foram sentidas. 
   Houve um artista italiano que representou essa mística exaltada de forma extremamente erótica, seu nome era Giovanni Lorenzo Bernini (1598-1680). Bernini entalhou em mármore dois êxtases religiosos. Pode-se divagar sobre como o Vaticano permitiu que estas imagens fossem exibidas em suas igrejas; talvez pela impotência ante a tanta beleza, ou plena consciência do apelo afetivo contido nas imagens e de como isso atrairia as pessoas, quem sabe os padres não soubessem identificar as expressões nos rostos de Santa Teresa de Ávila  e da beata  Ludovica Albertoni ?... Mas o escultor Bernini, este sabia, com certeza!

Êxtase da Beata Ludovica Albertoni e (detalhe) 1675. Igreja de São Francisco em Ripa, Roma.


[1] Empatia: s.f. Psicologia e Filosofia. Faculdade de perceber de que modo uma pessoa pensa ou sente. Fonte Dicionário Aurélio

[2] Feito à moda dos clássicos, gregos e romanos da antiguidade. Diz respeito ao pensamento filosófico e literário, tanto quanto às artes visuais (simetria, proporcionalidade, estudos anatômicos e de movimento). 

  


domingo, 18 de março de 2012

O mito cotidiano de Orfeu. 
  Orpheus by Franz Von Stuck, 1891.
 Fonte visionsofwhimsy.blogspot.com.br

    As narrativas de mitos e suas metáforas[1] foram utilizadas durante toda a história humana para informar e educar, talvez dos mitos tenham surgido as primeiras parábolas[2], contos verossímeis que há milhares de anos conscientizam e alertam sobre os riscos de uma má conduta.
   O mito grego de Orfeu, por exemplo, pode dizer muito sobre os relacionamentos amorosos. Quanto mais em um mundo cheio de possibilidades e aventuras afetivas as quais estamos expostos, cotidianamente, nós e nossos entes amados. Orfeu é na mitologia grega o patrono da música, que por amor a sua finada esposa, Eurídice, desceu até as profundezas do Hades (morada dos mortos) para buscá-la. Pelas notas de sua lira[3] ele encantou o cão Cérbero, feroz guardião do submundo que possuía três cabeças e alimentava-se de corpos. Ao se encontrar com o deus Hades, senhor de todas as almas e soberano das profundezas, com melodia Orfeu o fez refletir sobre o amor entre os mortais, mais intenso pelo fato de estar fadado a acabar, por mais que os seres humanos se amem. 
   Consternado, o deus compreendeu a falta, a saudade e a perda as quais nós, homens e mulheres, estamos sujeitos. O deus Hades então permitiu que Eurídice seguisse seu marido para fora das profundezas, mediante a condição de que Orfeu não olhasse para trás até que ambos atingissem a superfície. Orfeu deveria confiar que ela o seguiria. Próximo de alcançar a luz do Sol Orfeu deu uma olhadela para trás, e logo que seu olhar cruzou com o de sua esposa, esta foi tragada por uma ventania de volta para o abismo de Hades. 
  A falta de confiança em si mesmo e em sua amada derrotou o herói! O mito de Orfeu ensina, entre outras coisas, a confiar em quem amamos e a confiar que também somos amados.    


[1]Metáfora s. f. emprego de um termo em sentido figurado, em que a significação natural de uma palavra é substituída por outra, só aplicável por comparação subentendida . Fonte: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
[2]Parábola s. f. Narração alegórica que envolve algum preceito de moral, alguma verdade importante.
  [3]Instrumento de cordas dedilhadas usado na AntiguidadeFonte: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.

Orpheus and Eurydice, Christian Gottlieb Kratzenstein, , 1806